Opinião
Mudança Comportamental e Exercício: a Primeira linha Esquecida e Negligenciada
RMD Janeiro 2024
Mudança Comportamental e Exercício: a Primeira linha Esquecida e Negligenciada
Dr. Lucas Brink Carvalho1, Dra. Júlia Ribeiro2
1Médico interno de formação geral. Centro Hospitalar Universitário do Algarve; Fisioterapeuta; Ever.Act –
Medically Tailored Fitness.
2Médica interna de formação específica de Medicina Física e de Reabilitação. Centro Hospitalar Universitário do Algarve; Ever.Act – Medically Tailored Fitness; Departamento Médico e de Performance do Sporting Clube de Portugal.
A crescente incidência das doenças não transmissíveis e os avanços científicos que identificaram os seus fatores de risco permitiram o reconhecimento da importância da prática do exercício físico como primeira linha terapêutica em múltiplas patologias, seja enquanto intervenção isolada ou a acompanhar e a potenciar outras abordagens terapêuticas.1–3Ao nível da prevenção primária, do controlo de sintomatologia ou mesmo na reversão / cura da doença são inúmeras as guidelines que recomendam a mudança comportamental e o exercício físico como a primeira arma terapêutica.4–6
Então, onde está atualmente o problema? O problema está na rapidez com que os clínicos avançam para as segundas e terceiras opções terapêuticas, as quais incluem as intervenções farmacológicas e as intervenções invasivas. Esta rapidez reflete-se no dia-a-dia dos clínicos: o raciocínio assume o mesmo atalhona abordagem ao paciente. Após o diagnóstico e do início da fase de intervenção e recomendações, o clínico salta rapidamente para a segunda linha terapêutica sem dedicar o tempo e energia necessários à boa prática médica e explorar na totalidade a primeira arma terapêutica.7 Certamente que esta é uma visão exagerada e haverá muitos clínicos que fazem uma breve menção à prevenção, referindo que o utente devia caminhar mais e ter cuidado com a alimentação. No entanto, estas intervenções são breves e insuficientes, são rapidamente substituídas pelas prescrições terapêuticas clássicas e revelam problemas habituais, desde a formação adequada, o tempo insuficiente na consulta ou até a motivação para o aconselhamento da prática do exercício físico. Acreditamos que todos os clínicos estão sensibilizados para esta temática, da mudança comportamental enquanto passo essencial na intervenção8 e dos seus
benefícios, sendo, contudo, a grande dúvida a sua operacionalização.9Como qualquer outra intervenção terapêutica, médica ou cirúrgica, o exercício e a mudança comportamental exigem um processo de aprendizagem e de pedagogia que capacite o clínico para a intervenção eficaz baseada em ciência.10
Neste vazio de alguma competência e perante a necessidade de se incluir a mudança comportamental enquanto primeira linha na intervenção, surgem dois erros frequentes sobre os quais pretendemos refletir: o erro da autorreferência e os mitos.