SPAT RESUMOS

RMD ANO 14 | Nº2 Março 2023

Resumos

 

Quando é obrigatória a reparação meniscal?

Dr. Thiago Martins Aguiar
Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Central – Hospital Curry Cabral; Assistente Convidado de Ortopedia da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa

A reparação meniscal é obrigatória SEMPRE, SEMPRE que possível (figura 1). Hoje conhecemos a importância do menisco, as suas funções, a vascularização e as implicações da meniscectomia. O ortopedista que se dedica ao joelho tem de estar preparado para tratar toda e qualquer lesão meniscal. Esta preparação implica, não apenas aquisição de competências técnicas, mas também ter o material necessário disponível para a realização do procedimento de forma segura e eficaz.

Ao longo dos últimos anos houve uma grande evolução no tratamento destas lesões, passámos de meniscectomias abertas para artroscópicas e, hoje, para técnicas cada vez mais avançadas de reparação. Atualmente tratamos mais e melhor este tipo de lesões, inclusivamente as que pensávamos serem impossíveis ou inviáveis de serem reparadas e as que sempre existiram, mas que não reconhecíamos a sua importância e necessidade de reparação.

Presentemente está definido que o grande limite da reparação são as lesões degenerativas do menisco quando estas têm indicação cirúrgica. Neste âmbito, é fundamental não interpretar as lesões da raiz do menisco interno como degenerativas sem indicação para tratamento. Apesar de ocorrerem sobretudo na 5ª década de vida, nos casos em que o joelho apresenta adequada cartilagem, estas lesões não deverão ser negligenciadas e deverão ser tratadas, dado o seu potencial destrutivo para a articulação.1 A evolução do seu tratamento já não passa apenas pela reinserção transóssea. Alguns trabalhos têm sido publicados sobre a necessidade de, em casos selecionados, associar técnicas de recentralização meniscal de forma a corrigir a subluxação.

Na reparação utilizamos diversas técnicas, nomeadamente: all-inside, inside-out ou outside-in, a reinserção transóssea das raízes meniscais anteriores e posteriores e a possibilidade de recentralização meniscal com ancoras ou túneis transósseos.

Figura 1Reparação de rotura em asa de cesto.

Figura 2Reparação de lesão longitudinal do menisco utilizando suturas verticais superiores e inferiores.

Para o tratamento é necessário conseguir observar, avaliar e classificar corretamente a lesão. Em joelhos com o compartimento interno apertado, uma técnica facilitadora é o pie-crusting do ligamento lateral interno, que é utilizado com o intuito de melhorar a visualização e caracterização. Após o diagnóstico, a etapa seguinte consiste em confirmar a possibilidade de reduzir anatomicamente o menisco.2 De seguida, devemos estimular a biologia com a utilização da raspas meniscais no leito da lesão, trefinação e/ou microfacturas da chanfradura (ex. no caso de reparação meniscal sem reconstrução do ligamento cruzado anterior – aumenta a taxa de cicatrização de 50% para 91%).2 Outras técnicas, como o coágulo de fibrina, PRPs ou células estaminais não estão validadas de momento.2 Por fim, devemos criar uma adequada compressão no leito da lesão aquando da reparação com intuito de potenciar ainda mais a sua cicatrização.2

As lesões longitudinais são as mais frequentes e nestas é fundamental optar por suturas verticais superiores e inferiores (figura 2), porque são biomecanicamente superiores às suturas horizontais e conseguem justapor maior área de lesão.

As roturas horizontais deverão ser reparadas, a resseção de um dos folhetos é equivalente à remoção de ambos os folhetos. Estas lesões apresentam taxas de cicatrização superiores a 80%.

As roturas radiais também são passiveis de reparação e de cicatrização. A opção passa por técnicas all-inside, utilizando suturas látero-laterais, inside-out e/ou a associação de túneis transtibiais com intuito de aumentar a resistência à falência.

Como mensagem final, estejam preparados, caracterizem a vossa lesão, tenham material adequado e atrevam-se a reparar!

BIBLIOGRAFIA
  1. Allaire R et al. Biomechanical consequences of a tear of the posterior root of the medial meniscus. J Bone Joint Surg Am. 2008 Sep; 90:1922-31.
  2. Woodmass JM et al. Meniscal repair. Reconsidering indications, techniques and biologic augmentation. Current Concepts Review. 2017 Jul; 99:1222-31.

Lesões da rampa meniscal

Dr. Carlos Mesquita Queirós

CHEDV; Hospital da Luz Coimbra.

As lesões da rampa meniscal são lesões do terço posterior do menisco medial com rotura dos ligamentos meniscotibiais, que ocorrem normalmente após a contração violenta dos músculos isquiotibiais em resposta à subluxação anterior da tíbia consequente à rotura do ligamento cruzado anterior (LCA). Podem estar presentes até em 20% das roturas, mais frequentemente em doentes com slope tibial aumentado e em roturas crónicas.1

São chamadas hiden lesions dado que não são visualizadas pela inspeção clássica com as portas convencionais, assim para o seu diagnóstico é necessária a avaliação artroscópica sistemática do recesso póstero-medial do joelho.2

Na ressonância magnética podemos encontrar edema ósseo póstero-medial do prato tibial, uma rotura periférica do menisco medial ou apenas edema das estruturas póstero-mediais. No entanto, devido à posição em extensão do joelho aquando do exame, o recesso posterior é eliminado, dificultando o seu diagnóstico.3

Esta lesão apresenta uma importância crucial na biomecânica do joelho, tanto na estabilidade anterior, como na rotacional. Em joelhos com rotura do LCA, a lesão concomitante da rampa meniscal aumenta, não só a translação anterior, mas também a rotação externa e interna, com consequentes maiores graus no fenómeno de pivot-shift. Assim, a reconstrução isolada do LCA na presença da lesão da rampa não tratada apenas restaura a translação anterior, não conseguindo restaurar as normais rotações do joelho.4

A classificação é anatomicamente descritiva em quatro tipos, não tendo qualquer influência no tratamento ou valor de prognóstico.5

A sutura destas lesões pode ser efetuada com dispositivos de sutura all-inside, apanhando numa das passagens os ligamentos meniscotibiais, ou com ganchos de passagem de sutura (suture hook) pelo portal póstero-medial. Embora esta última acresça maior dificuldade técnica, apresenta uma taxa de falência menor.6

Mesmo que a presença da lesão da rampa não altere significativamente o outcome e os scores funcionais da reconstrução do LCA, esta lesão deve ser diagnosticada e tratada, já que podemos encontrar descritas taxas de lesão meniscal subsequente até em 1/3 dos doentes.7

BIBLIOGRAFIA
  1. Abreu FG, Canuto SMG, Canuto MMG, Chagas EF, Zutin TLM, Pádua VBC. Incidence of Meniscal Ramp Lesion in Anterior Cruciate Ligament Reconstructions. Rev Bras Ortop (Sao Paulo). 2022 Jan 20; 57(3):422-428. doi: 10.1055/s-0041-1735942. eCollection 2022 Jun.
  2. Bertrand Sonnery-Cottet , Jacopo Conteduca, Mathieu Thaunat, François Xavier Gunepin, Romain Seil. Hidden lesions of the posterior horn of the medial meniscus: a systematic arthroscopic exploration of the concealed portion of the knee. Am J Sports Med. 2014 Apr; 42(4):921-6.
  3. Kim Y, Ahn JM, Kang Y, Lee E, Lee JW, Kang HS.AJR. Uncovered Medial Meniscus Sign on Knee MRI: Evidence of Lost Brake Stop Mechanism of the Posterior Horn Medial Meniscus. Am J Roentgenol. 2018 Dec; 211(6):1313-1318. doi: 10.2214/AJR.18.19611. Epub 2018 Sep 21. PMID: 30240302.
  4. DePhillipo NN, Moatshe G, Brady A, Chahla J, Aman ZS, Dornan GJ, Nakama GY, Engebretsen L, LaPrade RF. Effect of Meniscocapsular and Meniscotibial Lesions in ACL-Deficient and ACL-Reconstructed Knees: A Biomechanical Study. Am J Sports Med. 2018 Aug; 46(10):2422-2431. doi: 10.1177/0363546518774315. Epub 2018 May 30. PMID: 29847148.
  5. Thaunat M, Fayard JM, Guimaraes TM, Jan N, Murphy CG, Sonnery-Cottet B. Classification and Surgical Repair of Ramp Lesions of the Medial Meniscus. Arthrosc Tech. 2016 Aug 8; 5(4):e871-e875. doi: 10.1016/j. eats.2016.04.009. eCollection 2016 Aug. PMID: 27709051
  6. Gousopoulos L, Hopper GP, Saithna A, Grob C, Levy Y, Haidar I, Fayard JM, Thaunat M, Vieira TD, Sonnery-Cottet B. Suture Hook Versus All-Inside Repair for Longitudinal Tears of the Posterior Horn of the Medial Meniscus Concomitant to Anterior Cruciate Ligament Reconstruction: A Matched-Pair Analysis from the SANTI Study Group. Am J Sports Med. 2022 Jul; 50(9):2357-2366. doi: 10.1177/03635465221100973. Epub 2022 Jun 6. PMID: 35666109
  7. Tuphé P, Foissey C, Unal P, Vieira TD, Chambat P, Fayard JM, Thaunat M. Long-term Natural History of Unrepaired Stable Ramp Lesions: A Retrospective Analysis of 28 Patients with a Minimum Follow-up of 20 Years. Am J Sports Med. 2022 Oct; 50(12):3273-3279. doi:10.1177/03635465221120058. Epub 2022 Sep 8. PMID: 36074027

O que fazer na síndrome pósmeniscectomia?

Dr. Mário Vale

Hospital CUF Descobertas

Os meniscos são estruturas fundamentais na articulação do joelho, são responsáveis pelo aumento da congruência articular, pela absorção e dispersão das cargas e funcionam ainda como estabilizadores secundários. As roturas de menisco representam a lesão mais frequente e a causa mais comum para cirurgia ao joelho. Apesar de se verificar, atualmente, uma tendência crescente para a cirurgia de reparação dos meniscos, procurando a preservação meniscal, em muitos casos a meniscectomia é o tratamento realizado. Os resultados clínicos e funcionais da meniscectomia a curto prazo são bons na sua grande maioria. Mas a literatura mostra que as consequências a longo prazo não são desprezíveis, sabendo que a pressão de contacto articular pode aumentar entre 200 a 300%, levando ao aparecimento da artrose do joelho.

A síndrome pós-meniscectomia atinge um subgrupo de doentes submetidos a meniscectomia que, após um período livre de sintomas, desenvolve um quadro de dor persistente e agravada em carga no compartimento femorotibial operado. É muitas vezes acompanhado de derrame articular e pode ser interpretada como a fase inicial da artrose. Na avaliação destes doentes devem ser excluídas outras causas possíveis de dor. Os exames complementares de diagnóstico incluem a ressonância magnética e radiografias dos joelhos em carga, bem como a radiografia extralonga dos membros inferiores. Na ressonância pode ser identificada a ausência de uma parte significativa de menisco, edema subcondral ou até lesões focais de cartilagem. As radiografias podem revelar alguma redução da interlinha articular e o eixo mecânico do membro deve ser avaliado. A idade fisiológica do doente e o índice de massa corporal são importantes, na medida em que quanto mais elevados forem, pior o prognóstico do quadro.

O tratamento inicial deve centrar-se em programas de fortalecimento muscular e de treino propriocetivo, com ativação neuromuscular e redução do peso sempre que aplicável. As infiltrações articulares com ácido hialurónico ou plasma rico em fatores de crescimento e as joelheiras (de descarga) são alternativas para controlo sintomático, mas o tratamento conservador na síndrome pós-meniscectomia tem pouca evidência publicada no que respeita à sua eficácia. Na maioria dos casos, o tratamento cirúrgico está indicado e perante a decisão, quatro fatores devem ser tidos em conta:

    1.Alinhamento – a avaliação do eixo em carga do joelho, num quadro de síndrome pós-meniscectomia, é crucial, já que a insuficiência do menisco associada a um desvio do eixo (varo ou valgo) está relacionada com a progressão mais rápida da artrose. A correção do eixo deve ser equacionada como primeiro procedimento, sendo o principal fator no tratamento das lesões condrais. A osteotomia pode ser realizada de forma isolada ou associada a outros procedimentos, como reconstruções ligamentares, transplantes de menisco ou tratamento de lesões de cartilagem.

    2. Estabilidade – é conhecido o contributo dos meniscos para a estabilidade do joelho. A associação da lesão do ligamento cruzado anterior à meniscectomia aumenta a instabilidade articular e acelera as alterações degenerativas. Por outro lado, a reconstrução ligamentar protege os meniscos de lesões subsequentes, da mesma forma que a presença dos meniscos protege a plastia do LCA. Assim, perante um caso de síndrome pós-meniscectomia com rotura do LCA é fundamental que a instabilidade seja tratada com reconstrução ligamentar.

    3. Menisco – verificadas as condições de alinhamento e estabilidade do joelho, focamos a nossa atenção na insuficiência meniscal. Alguns centros têm utilizado substitutos meniscais sintéticos em doentes submetidos a meniscectomias parciais, com resultados aparentemente favoráveis na melhoria da dor. No entanto, faltam estudos independentes, com avaliação funcional a longo prazo e as revisões sistematizadas da literatura não recomendam a sua utilização. Por outro lado, o transplante de menisco tem vindo a ser utilizado desde há mais de 30 anos, com bons resultados clínicos e funcionais e taxas de sobrevivência de 80% aos 10 anos. A redução de pressão de contacto articular está demonstrada após o transplante de menisco e o seu efeito condroprotetor parece cada vez mais evidente.

    4. Lesão condral – as lesões de cartilagem influenciam negativamente o sucesso do transplante de menisco, mas mesmo os doentes com lesões focais grau IV beneficiam clinicamente com o procedimento. Dependendo da dimensão da lesão, técnicas como nanofraturas, mosaicoplastia ou utilização de condrócitos autólogos podem ser utilizadas para tratamento dos defeitos condrais.

Em resumo, um subgrupo de doentes submetidos a meniscectomia desenvolve um quadro de dor no compartimento afetado, após um intervalo de tempo livre de queixas, que resultam da insuficiência meniscal. Perante tal situação, que não resolve com o tratamento conservador inicial, deve ser considerado o tratamento cirúrgico. Em primeiro lugar, deve ser avaliado o eixo de carga do membro. Se alterado, deve ser corrigido com recurso a osteotomia para descarga do compartimento. De seguida, verificar a estabilidade do joelho e, se for instável, a reconstrução ligamentar está indicada. Na presença de um menisco não funcionante, o transplante de menisco tem de ser considerado e terá tanto melhor resultado, quando menos lesões condrais existirem. E por último, se um defeito de cartilagem já tiver ocorrido, deve ser tratado com as técnicas habituais disponíveis.

Dohnalová, L., Lundgren, P., Carty, J.R.E. et al. A microbiome-dependent gut–brain pathway regulates motivation for exercise. Nature. 2022; 612:39–747. https://doi.org/10.1038/s41586-022-05525-z.

É muito interessante o artigo publicado em 14dez022 na revista Nature: qual é a motivação de alguém para se envolver na prática regular de exercício físico? Referem que “um fator importante que estimula o envolvimento no exercício de competição e de recreação é o prazer motivacional decorrente da atividade física prolongada”, originado a partir de alterações neuroquímicas cerebrais. A experiência foi feita em ratos e foi descoberta a conexão intestino-cérebro que melhora o rendimento desportivo ao aumentar a libertação de dopamina durante o exercício. Tudo começa com a libertação pela flora intestinal de endocanabinoides que vão estimular os neurónios e aumentar a produção de dopamina. Mais, ao estimular esta via, aumenta-se o rendimento na corrida, ao passo que “a depleção da microbiota, a inibição do recetor endocanabinoide periférico, a ablação dos neurónios espinhais aferentes ou o bloqueio da dopamina interferem com a capacidade de exercício”. Os ratos, não treinados previamente, voluntariamente correram nas rodas ou nos tapetes rolantes. Após a avaliação inicial, os ratos foram tratados com antibiótico com o objetivo de eliminação da microbiota intestinal: o tratamento com os antibióticos reduziu o rendimento físico. Na Discussão, os autores referem que demonstraram que o “circuito cerebral envolvido na regulação da motivação para a atividade física não está estritamente no sistema nervoso, mas é moldado por influência periféricas que se originam na comunidade microbiota intestinal… na ausência da microbiota os sinais aferentes são inibidos, o pico de dopamina induzido pelo exercício diminui, com consequências profundas no rendimento físico”. Por outro lado, descobriram que os efeitos analgésicos do exercício são também dependentes da colonização da microbiota intestinal”.