ASPETAR – Women’s Football 2/2

RMD Janeiro 2024

Dr. Basil Ribeiro

Medicina Desportiva, V N Gaia

FEMALE ATHLETE HEALTH IN WOMEN’S FOOTBALL

– Written by Bert Mandelbaum, USA & Pieter D’Hooghe, Belgium/Qatar

“Considerações relacionadas com o sexo surgem quando se lida com lesões no futebol feminino, pois existe maior carga de lesões nas mulheres do que nos homens. Apesar de sofrerem metade das lesões que os seus colegas homens, Larruskain et al verificaram que as jogadoras de futebol de elite perdem mais 21% de dias devido às lesões, consequência à maior incidência de lesões ligamentares graves do joelho e do tornozelo.3. Há exigências fisiológicas no jogo feminino… cuja compreensão é necessário adaptar as estratégias de retorno ao jogo (RTP) e evitar as recidivas.4

As jogadoras de elite têm, em média, entre 20 e 27 anos de idade, entre 161 e 170cm de estatura, peso entre 57 – 65kg, têm percentagem de gordura corporal entre 14.6% e 20.1% e massa magra de aproximadamente igual a 45.7kg.5

Vários estudos analisaram a frequência cardíaca (FC) durante os jogos e constataram a média de 86% da FC máxima e o pico de 98% da FC máxima… e valores de VO2máx de 49.4-57.6 ml/kg/min, sendo a média estimada durante o jogo de 80% do VO2 máx.5 … o que sugere elevada exigência aeróbia no futebol feminino…

Os regimes de treino que parecem ter benefícios para a futebolista incluem o treino intervalado, dada a grande importância dos sprints de elevada intensidade em momentos decisivos do jogo. O treino intervalado entre 5-120 segundos aumentou o VO2máx em 13.2%, o limiar anaeróbio em 16.8% e a recuperação após um minuto em 36.9%.5 Outro método que mostrou ser eficaz é o Speed, Agility, Quickness, descrito por Polman.7

… Ciclo menstrual, contracepção hormonal, gravidez, pós-parto e aleitamento (ver texto original)…Considerações específicas sobre a lesão: a rotura do ligamento cruzado anterior (LCA) – … as jogadoras de futebol são mais suscetíveis à lesão do LCA do que os jogadores.15,16. A diferença no risco em relação ao sexo deve-se a diferenças anatómicas, hormonais, biomecânicas e neuromusculares entre homens e mulheres, assim como os pisos do jogo.17,18. As roturas do LCA em atletas requerem tratamento cirúrgico com reconstrução ligamentar para permitir o regresso ao desporto de mudanças de direção e de paragens necessárias no futebol; o tratamento não cirúrgico, com fisioterapia e bracing, com instabilidade consequente do joelho, colocam as atletas lesionadas de maior risco de lesão do joelho, como roturas meniscais e desgaste da cartilagem, originando o fim da carreira. Em relação à técnica cirúrgica, nenhuma consideração foi avançada sobre qual a melhor para
a atleta feminina… A reabilitação… requer 9 a 12 meses, e às vezes mais tempo…Num estudo realizado em jogadoras jovens, nos EUA, verificou-se que 31% das jogadoras ainda jogava sete anos depois da reconstrução.21. Contudo, noutro estudo realizado com jogadoras de futebol, que incluiu um grupo de controlo, verificou-se que as jogadoras com reconstrução do LCA tinham maior probabilidade de deixar de jogar futebol nos dois anos de seguimento que as colegas sem lesão no joelho.22… Dois terços das jogadoras que foram submetidas a reconstrução do LCA e voltaram à competição estão em risco de nova lesão do joelho nos 5-10 anos seguintes à cirurgia, onde 42% das lesões são do LCA.29No nível de elite, 90% das jogadoras voltam a jogar após a reconstrução no National Women’s Soccer League

ACL REHABILITATION IN ELITE FEMALE FOOTBALLERS

SAME, SAME BUT SHOULD IT BE DIFFERENT?

– Written by Roula Kotsifaki, Qatar and Holly Silvers-Granelli, USA

Durante o Campeonato do Mundo de futebol feminino, um questionário realizado às jogadoras constatou que 15% das jogadoras já tinham sofrido uma rotura do ligamento cruzado anterior (LCA), das quais 20% participavam no torneio com o
ligamento roto.1 … as mulheres têm probabilidade quatro vezes superior de sofrerem lesão do LCA que os jogadores de futebol.2,3 As lesões por não contacto representam mais e metade das lesões…4 Um estudo que
comparou os outcomes entre jogadoras e jogadores que haviam sido operados constatou que as mulheres tinham resultados inferiores nas taxas de revisão, score de Lysholm, escala de atividade de Tegner e de incidência de não regresso ao desporto.5 Outro estudo indicou que as jogadoras operadas ao LCA tinham quase cinco vezes maior probabilidade de nova lesão do LCA e 2 a 4 vezes maior taxa de outras lesões de novo no joelho.6 Um ano e dois anos após a reconstrução, as jogadoras têm níveis superiores de dor e outros sintomas no joelho, menor função no desporto, qualidade de vida inferior e mens interesse em voltar ao desporto.8

A reabilitação ótima após a reconstrução do LCA é importante e os objetivos são iguais no homem e na mulher: identificar alterações biomecânicas e défices de força, ao mesmo tempo que se desenvolvem atletas robustos e resilientes. A fase inicial deve-se reduzir a dor articular e a inflamação, restaurar a flexão e a extensão, o que facilitará a progressão para a fase intermédia… a fase final da reabilitação é particularmente importante e desafiante para o atleta. A última fase, a do regresso ao jogo (RTP) envolve a reabilitação no campo, regresso ao treino com a equipa sem contacto e depois com contacto, regresso ao jogo de competição e, finalmente, o regresso ao rendimento total.13 O protocolo de reabilitação deve ser baseado em critério de qualidade de evolução, sendo o critério tempo após a cirurgia importante, mas insuficiente.

Taberner et al descreveram os componentes e os objetivos da decisão RTP e RT ao rendimento da jogadora de elite após a reconstrução do LCA e o seu caminho até ao Campeonato do Mundo da FIFA… o “passo e o movimento” específicos da posição no campo e as atividades do “padrão de jogo” foram introduzidos, com aumento progressivo do volume e da intensidade das ações técnicas, desfiando a percepção visual e a tomada de conhecimento espacial, e incorporando elementos reativos nas ações individuais.16

Os critérios de RTP. O completar o protocolo de reabilitação e a autorização para voltar ao desporto não é o mesmo que voltar à competição. Antes de o jogador seja autorizado para competição sem restrição, deve haver um período de transição
da participação desportiva para o rendimento no desporto, com exposição controlada do contacto nesse desporto.17

… estudos recentes sugerem que a distância no hop test poderá não ser a avaliação mais eficaz do estado do joelho do atleta.18,19 … pode ser usado para monitorização do progresso da reabilitação, mas poderá não ser uma avaliação eficaz da função do joelho na fase final da reabilitação… pelo que a distância no hop test não acrescenta muito no processo de tomada de decisão. … Em alternativa, propomos o teste de salto vertical, pois é mais sensível para detetar as assimetrias norendimento no momento do RTS após a reconstrução do LCA que o hop rest.22

Objetivos da reabilitação:

  1. Normalizar a sensação subjetiva do joelho e a prontidão psicológica;
  2. Restaurar simetria na biomecânica da corrida e melhorar a capacidade de sprintar, acelerar e desacelerar;
  3. Completar programa de treino específico do desporto;
  4. Restaurar a força em termos de simetria, adquirir níveis pré-lesão como o mínimo e melhorar os valores para os de referência;
  5. Restaurar a mecânica do salto vertical (altura do salto, reatividade) para os valores de referência;
  6. Restaurar os valores cardiovasculares, explosividade, reatividade, etc.;
  7. Restaurar a mecânica da queda para a frente e simetria da distribuição do trabalho nos tornozelos, joelhos e ancas;
  8. Restaurar a simetria na mecânica de mudança de direção. …

GROIN PAIN IN WOMEN’S FOOTBALL

RADIOLOGY AND CLINICAL FEATURES FEDERATION

– Written by Milena Tomovic, Greece

A dor na virilha é comum nos desportos de equipa e contribui até 23% das lesões no desporto. O futebol profissional, quando comparado com outros desportos, apresenta a prevalência mais elevada e o maior tempo perdido fora da competição quando se trata de lesões da anca e da virilha.1,2 As atividades predominantes relacionas com o desporto que conduzem à lesão aguda e crónica na virilha são as mudanças de direção e o chuto…

Em 2014, a reunião de Doha sobre terminologia e classificação da dor na virilha em atletas resolveu alguma confusão e definiu entidades clínicas… este sistema de classificação categoriza a dor na virilha como: relacionada com os 1. músculos adutores, 2. com o músculo psoas-ilíaco, 3. o canal inguinal, 4. a região púbica, 5. com a anca e 6. outras causas…

A RMN, nas clínicas desportivas especializadas, continua a ser o gold-standard na avaliação da patologia do longo adutor, reto abdominal e osso púbico… femoroacetabular, articulação sacroilíaca e coluna lombar… enquanto a ecografia, para além das vantagens diagnósticas, oferece benefícios terapêuticos (ex. injeções ecoguiadas).6,7 A ecografia dinâmica na região da virilha é ainda a modalidade de imagem de escolha na exclusão de hérnias inguinais…

… Em alguns casos, achados clínicos diferentes podem ser associados com os mesmos achados radiológicos.8 …mais de 44% dos jogadores de futebol com dor na virilha têm mais de uma patologia subjacente e diversas condições clínicas podem ser encontradas ao mesmo tempo.9… A evidência científica apoia a inseparável patologia do adutor, gracilis e aponevrose do reto. A sua inserção junto da sínfise púbica é um continuum anatómico com várias estruturas que unem…

… os resultados do estudo de ressonância em dor da virilha concluiu que a presença do sinal da fenda secundária é um fator independente associado a maior demora no RTP e recuperação prolongada.10

Futebol feminino e dor na virilha. As lesões da anca e da virilha são as mais prevalentes no futebol amador, com 93% das jogadoras a sofrerem uma lesão nesta região durante uma época. As lesões sem perda de tempo são três vezes mais prevalentes que as lesões que causam perda de tempo (treinos, …).

Os atletas têm quase três vezes mais risco de lesão na virilha que as atletas quando comparados no mesmo desporto… as lesões na virilha nas jogadoras podem afetar substancialmente a disponibilidade para o jogo. A dor relacionada com a anca e a virilha é mais comum no nos atletas masculinos, mas as. Atletas femininas têm maior probabilidade de desenvolverem alterações degenerativas púbicas.21

As diferenças na incidência de lesão na virilha entre jogadores e jogadoras podem ser explicadas por diferenças na anatomia e morfologia pélvica, carga de treino, exigências competitivas e estado hormonal.25O estudo em cadáver revela diferença na inserção da parte medial do tendão do músculo reto abdominal entre o homem e a mulher, de que resulta em maiores forças de tensão no homem, o que, combinado com a carga de treino, pode predispor para o maior risco de lesão na virilha. A anatomia do canal inguinal é bastante específico do sexo… as mulheres têm orifícios inguinais superficial e profundo menores e músculo transverso e fáscia transversal mais robustas (estruturas da parede inguinal posterior) … a pélvis feminina tem um diâmetro médio-lateral mais largo e ângulo púbicos inferiores maiores (mulher – 90º; homem – 65º) … este alinhamento poderá resultar em menor carga através da inserção proximal dos adutores … A dor inguinal está associada com mais alterações degenerativas púbicas nas atletas. O estado hormonal, maior espaço articular e maior elasticidade dos ligamentos desestabilizam esta articulação cartilaginosa e pode conduzir à degenerescência …

O diagnóstico diferencial deve incluir sempre a parte ginecológica… maior risco de desenvolverem a síndrome de deficiência energética (RED-S)… é uma patologia multifatorial que afeta vários órgãos e sistemas, como o reprodutor, cardiovascular, gastrointestinal e musculoesquelético.29,30 … as fraturas de stress, como potenciais causas de dor inguinal, incluem as do colo do fémur, ramos púbicos e acetábulo.32

EMBRACING WOMEN’S FOOTBALL GROWTH AT YOUR CLUB

KIT, BOOTS, AND FACILITY CONSIDERATIONS

– Written by Katrine Okholm Kryger, Switzerland and UK & Athol Thomson, Qatar

… Uma mensagem importante não é simplesmente copiar o futebol masculino, mas considerar as necessidades especificamente relacionadas com o sexo no crescimento ou na introdução do futebol feminino num clube…

A tecnologia do futebol, como osequipamentos (roupa) e chuteiras(calçado) tem sido historicamentedesenhada por defeito focando-seno homem. As jogadoras têm usadoos mesmos equipamentos, chuteiras, etc. com pouca ou nenhumaconsideração ou adaptação à formado corpo e necessidades.2 Servir bemno corpo e desconforto têm sidoreferidos recentemente na imprensa pelas jogadoras, as quais exigemajustamentos para as suas necessidades específicas.3-5 Ainda mais,
em muitos casos, não é oferecido àsequipas femininas as mais modernas instalações. Em vez disso, elas são colocadas nas instalações dofutebol jovem ou nas suas próprias instalações. Claro que as necessidades básicas são exigidas, por exemplo, campos, balneários, sala de refeições e de reuniões, etc.

Áreas essenciais a considerar

Ajuste o equipamento e evite os calções claros. Aas grandes marcas desportivas introduziram o seu primeiro equipamento para as jogadoras no Campeonato do Mundo da FIFA de 2019 e, daí, temos de facto hoje equipamentos adaptados às mulheres… alguns aspetos específicos devem ser considerados… um aspecto importante que as jogadoras têm falado tem a ver com a cor dos calções… a sua preocupação tem origem na preocupação da visibilidade da hemorragia através dos calções de
cor clara durante a menstruação… este tema também sido debatido outros desportos, como o ténis e o râguebi.6-7 … algumas equipas (Manchester United e seleção inglesa, por exemplo) fizeram alterações de modo que as jogadoras jamais terão de usar calções de cor clara.

Deixar a bola fazer os balanceios e usar soutien desportivo bem adaptado… a maioria da investigação em soutien desportivo é feita em mulheres que correm em tapete rolante.9 … sendo estes movimentos bastante diferentes dos movimentos multidirecionais que ocorrem no campo de futebol.2 … usar esses soutiens no futebol poderá causar desconforto e até mesmo dor, sabendo-se que o desconforto mamário está negativamente associado com o rendimento.10 Ainda mais, ao nível da elite, as jogadoras têm de usar uma seleção limitada de soutiens desportivos dos patrocinadores. Este patrocínio pode ser útil à jogadora por razões financeiras… mas oferecerapenas. Um design ou poucas opções pode negativamente influenciar o encaixe, o apoio e o conforto do soutien. Se o soutien não está bem adaptado, é comum as jogadoras usarem dois soutiens, sofrendo com o soutien definido pelo patrocínio.

O futebol é multicultural e o equipamento também deve ser… se a mulher quiser, ela pode jogar com o lenço que cobre a cabeça e o pescoço (hijab – figura) … os hijabs foram apenas incorporados nas leis da FIFA em 2014.11,12 … em 2011 a seleção nacional do Irão foi obrigada a perder um jogo de qualificação para os Jogos Olímpicos de 2012. A proibição era explicada pela possibilidade de aumento de risco de lesões na cabeça e no pescoço, apesar do facto de nunca ter havido referência à ocorrência de lesão com o uso do hijab.11

Figura – O hijab que a FIFA regulamentou em 2014

Estas chuteiras não foram feitas para mulheres. As chuteiras desenhadas especificamente para as mulheres, mesmo entre as grandes marcas, têm sido quase inexistentes.13 As mulheres têm pés diferentes dos dos homens,14 … a chuteira deve estar adaptada à volta do pé para permitir boa agilidade… para reduzir o risco de bolhas ou lesões mais graves como os problemas no tendão de Aquiles…13,14

Até que mais investigação sobre a chuteira para as mulheres seja feita, o meu conselho é tentar encontrar chuteiras que melhor emparelham a forma única do pé. Devem sentir um contacto confortável com o campo quando realizam movimentos do
futebol… A interação chuteira-solo não deve ser sentida com demasiada tração (maior probabilidade de o pé ficar preso), pouca tração (maior probabilidade de escorregar) …

Mesma qualidade do relvado.

Durante o Campeonato do Mundo da FIFA, em 2019, 196 jogadoras indicaram a má qualidade do campo e a relva artificial como o 2º e 3º fatores de risco mais importantes, respetivamente, para a ocorrência de lesão, seno o primeiro a baixa força muscular.18

Quem precisa de casa-de-banho? As jogadoras habitualmente desejam ter casas-de-banho na proximidade do local onde treinam e jogam futebol.24,25 É sabido que as atletas têm 2.7 vezes mais possibilidade de ter queixas de incontinência urinária quando comparadas com as mulheres sedentárias.26 As mulheres também, especialmente as com maiores hemorragias, desejam, mudar o penso higiénico nas sessões de treino mais longas ou ao intervalo nos jogos.24,25 As mulheres poderão não verbalizar estas preocupações diretamente aos treinadores e clubes…

Tempo para um chuveiro. Tomar banho após o futebol é essencial e não deveria ser necessário que as mulheres precisam de acesso a instalações para mudarem de roupa e tomar banho… em algumas culturas tomar banho em grupo é uma barreira à participação desportiva durante o período menstrual.28

Acesso a produtos sanitários. … garantir produtos sanitários e baldes de lixo para todas as jogadoras e mulheres do staff, quer no local de treino/jogo, quer durante as viagens, transportados pela equipa médica ou outros…. não ter os produtos sanitários adequados disponíveis quando necessários pode ser prejudicial para a capacidade das jogadoras em se focarem no campo.

Acesso ao ginásio ajuda a proporcionar melhor futebol. A investigação refere que programas de exercício, multicomponente, reduz a incidência global de lesões e de lesão do ligamento cruzado anterior em 27% e 45%, respetivamente.29,30 Alguns destes programas podem ser feitos no campo com pouco ou nenhum equipamento (ex. FIFA 11+27), mas, contudo, a eficácia do equipamento do ginásio para promover a força e os treinos pliométricos para melhoria do rendimento e prevenção da lesão não deve ser negligenciada.