ENTREVISTA

Dra. Ana Teresa Rocha

RMD Março 2023

Dra. Ana Teresa Rocha

Assistente Hospitalar no CRI – Traumatologia e Ortopedia no Hospital de São José Diretora do Departamento Médico do Clube Desportivo de Mafra

Como começou a sua ligação ao futebol e ao clube em que trabalha?

Remonta à época 17/18, a equipa técnica pediu-me para iniciar o projeto com eles. Um dos pilares era a melhoria e a profissionalização do departamento médico com vista ao progresso do clube. Aceitei o desafio e, nesse ano, não só subimos de divisão, como fomos campeões nacionais.

O Mafra é uma equipa simpática e competitiva na Liga 2. Gosta de lá estar…

Gosto sim. O Mafra tem a capacidade de ser uma família para quem lá trabalha e para quem por lá passa. Temos noção das limitações que existem em relação a alguns recursos materiais e infraestruturas. Mas os recursos humanos do clube fazem a diferença. Sei que existe, por parte de todos, um enorme respeito para com o trabalho do departamento médico, assim como muita ambição nossa em melhorar continuamente.

O que leva uma médica ortopedista a ser a médica de equipa no futebol profissional masculina (EMFP)?

Não colocaria a pergunta assim… (ahahah) Como ortopedista a minha atividade principal é no hospital. A parte da traumatologia desportiva é uma das bases da formação e por isso acabamos por ver ortopedistas envolvidos nas equipas médicas dos clubes. O facto de ser mulher nunca influenciou as minhas escolhas profissionais. Ser médica de uma equipa profissional de futebol masculino é um imenso orgulho profissional, pela exigência e nível competitivo.

Como é a sua semana entre hospital e clube?

No hospital tenho um horário de 40 horas semanais, durante o qual estou, essencialmente, entre consulta, bloco operatório e urgência. Reservo uma manhã por semana para estar presencialmente no clube. Dentro do departamento, o contacto com os fisioterapeutas é diário em relação aos acontecimentos, evolução dos atletas em reabilitação, etc. O planeamento do trabalho é feito semanalmente, sendo ajustado mediante as necessidades.
Os nossos fisioterapeutas são a força motriz do dia-a-dia e a confiança no seu trabalho, tal como a comunicação entre todos, é fulcral.

A traumatologia no clube é muito diferente da do hospital?

A traumatologia no clube, comparada com a que se observa na urgência e
se opera no hospital, é na maioria dos casos de menor gravidade, felizmente. A faixa etária no clube é substancialmente mais baixa. Por outro lado, é importante ressalvar que a atividade de médico de um clube não se resume aos eventos traumáticos. E por isso, e como ortopedista, para a aquisição de conhecimentos em nutrição, patologia clínica e performance foi fundamental fazer formação extra, que acresce ao conhecimento do tratamento das lesões que trago da minha formação base.

Qual a estrutura do departamento médico do clube?

Na equipa principal temos dois fisioterapeutas: o Pedro Reis e a Rita Ribeiro. O Pedro está connosco desde início da época, a Rita já acompanha a equipa profissional há 5 anos. O preparador físico também faz um pouco parte do nosso departamento, com o Sérgio Mourato monitorizamos conjuntamente os return to practice e to play dos atletas e gerimos situações de maior fadiga quando detetadas. A partilha de informação entre departamentos é feita sem formalidades, mas de forma eficaz. Trabalhamos com uma empresa de nutrição, com quem articulamos questões de suplementação mediante cronograma da semana, refeições, vigilância da hidratação e da composição corporal do plantel. Mantemos contacto remoto constante, sendo que mensalmente eu e o Diogo Ferreira sentamo-nos a fazer um apanhado geral de questões pertinentes dos atletas.

Causa-lhe algum constrangimento no balneário o facto de ser mulher?

O espaço de balneário é o espaço do jogador e seja homem ou mulher deve ser respeitado como tal. Quando é necessário ir a esse espaço, antes de entrar garanto que o posso fazer sem constrangimentos para ambas as partes. Em dias de jogo organizamos uma área de trabalho, mais separada, tanto para mim como para a nossa fisioterapeuta, a fim de realizar os tratamentos necessários e, de resto, a logística não é muito diferente nem condicionada.

Existem algumas regras pré-definidas ou tudo funciona sem qualquer limitação?

Em todos os departamentos há regras bem definidas e consequências para o seu incumprimento. No CD Mafra não é diferente. Trabalhar mediante princípios definidos, regras, comunicação clara e com a verdade é fundamental, seja no futebol amador, profissional, feminino, masculino, no hospital, onde for. Não acredito que isso seja influenciado por se trabalhar num meio de homens ou de mulheres, isso são os princípios individuais e o rigor de trabalho de cada um.

Qual tem sido a aceitação por parte dos jogadores e a relação com os treinadores?

No início não foi uma transição fácil e há naturalmente sempre histórias engraçadas decorrentes da necessidade de impor uma posição como médica e como mulher. Atualmente já não sinto nada disso, quem vai para o clube sabe quem lá trabalha e, acima de tudo, sabe o respeito que tenho pelo trabalho deles, pela comunicação aberta e sem papas na língua. Quanto às equipas técnicas nunca senti qualquer desconfiança ou dificuldade na interação. Claro que nem sempre concordamos em todos os assuntos, mas nem na discórdia o género importa. Não sei se lhes faz diferença eu ser mulher ou não, mas, se faz, nunca o demonstraram e sempre me senti respeitada.

Aconselha outras colegas a aceitarem o convite para uma EMFP?

Claro! Se têm gosto, formação e pretendem seguir essa carreira devem enviar currículos, procurar estágios, formações, etc. Acho também que se deve dar oportunidades a todos de forma igual por parte de quem contrata, sem medos ou receios. Haja oportunidades que certamente haverá muito mais mulheres no futebol profissional e a fomentar a qualidade dos departamentos.