ENTREVISTA
Dr. Diogo Santos
RMD Setembro 2022
Dr. Diogo Santos
Medicina Desportiva
Médico Seleção Futebol
Sub19 Qatar
É um jovem médico, especialista em medicina desportiva em terras árabes… Como está a correr a adaptação?
Devo admitir que está a correr muito bem. Já tinha feito um estágio no Aspetar no âmbito do internato em Medicina Desportiva, troquei impressões com portugueses que cá vivem há mais tempo, pelo que a mudança de ares não foi totalmente cega. Por fim, ando a ter aulas de árabe para facilitar a comunicação com os atletas, ainda que não seja fundamental para o dia-a-dia: como 85% da população do país não é catariana, o inglês é universal. Por exemplo, o departamento médico da seleção do Qatar tem profissionais de 10 nacionalidades diferentes.
Qual foi a motivação para deixar Portugal e viajar para um país distante e culturalmente tão diferente?
Poder abraçar um projeto num dos maiores hospitais de Medicina Desportiva do Mundo (senão o maior) e trabalhar diretamente com uma seleção anfitriã de um campeonato do Mundo é uma excelente oportunidade, muito difícil de recusar. Trata-se de uma experiência muito enriquecedora, não só profissionalmente, mas também pessoalmente, até por esse aspeto cultural. Mesmo sendo um país tradicionalmente árabe, a mistura de várias culturas, associada à aposta que o país faz no desporto, torna-o mais liberal que outros países do Golfo Pérsico.
Quais as funções que desempenha nessa seleção?
Eu fui contratado como médico da seleção do Qatar para ficar responsável pelas camadas jovens da mesma. Contudo, e pela forma de trabalhar destas seleções, acabo por trabalhar com todos os jogadores integrados no programa da seleção nacional desde os sub17 até à equipa A. É um trabalho um pouco diferente do típico de uma seleção, visto que todos os jogadores da pool da seleção são acompanhados primariamente pelo departamento médico desta. Por exemplo, em caso de lesão, todo o processo de diagnóstico e reabilitação é realizado na seleção, sendo que no momento da Alta informamos o clube de como foi esse processo e damos indicações relativamente ao retorno ao treino e à competição.
Que diferenças encontra na prática da medicina entre Portugal e o Qatar?
Para além do diferente método de trabalho referido previamente, de um ponto de vista muito prático a principal diferença reside na limitação da utilização de alguns fármacos, os quais podem estar sujeitos a uso controlado ou serem mesmo proibidos. Epidemiologicamente, há diferenças importantes nas doenças mais comuns e também nas lesões. Por outro lado, as condições de trabalho são excecionais: independentemente do escalão, temos à nossa disposição instalações desportivas e de reabilitação de elite, com o apoio do Aspetar sempre que necessário.
Apesar das diferenças, pensa que é um destino que outros médicos devam considerar? Há necessidade de médicos?
Sim, globalmente diria que os estrangeiros são bem recebidos no país e os médicos podem ter uma qualidade de vida bastante boa, com melhor equilíbrio de vida profissional e pessoal (o que no futebol é tão difícil). Sendo um país com muitos emigrantes, há um constante fluxo de entrada e saída de profissionais, pelo que há vagas a abrir a todos os momentos.
E o dia a dia? Como o passa? Como é a sua vida social, fora do clube?
À exceção dos períodos de estágio, o dia-a-dia permite-nos usufruir o que o Qatar tem para oferecer. É um país extremamente seguro e podemos aproveitar o deserto, praias, parques, restaurantes e eventos desportivos, obviamente excluindo os meses de Verão, os quais passamos a nossa vida quase toda indoor. A maior dificuldade até agora tem sido a distância para Portugal. Sem voos diretos desde o início da pandemia, as viagens acabam por ser longas e, como tal, menos frequentes que o que eu gostaria.
Pensa voltar a Portugal em breve ou, para já, sente-se bem por aí?
Estou a ser muito bem recebido por todo os elementos da federação e sinto um reconhecimento do papel do médico especialista em Medicina Desportiva maior que em Portugal, o que é muito gratificante. A este reconhecimento profissional, acresce o facto do país ter como objetivos conseguir o apuramento para um Mundial de futebol por qualificação direta e eventualmente organizar os Jogos Olímpicos, pelo que se espera que os próximos tempos no Qatar continuem a ser entusiasmantes do ponto de vista desportivo e, como tal, para a Medicina Desportiva. O projeto será sempre a prazo, mas ainda não defini a janela temporal.
Quando voltar, que ideias novas nos trará e que possam ser implementadas no futebol português?
A nível organizacional, apesar de alguns defeitos, o modelo é interessante e tem pontos fortes com vantagens para clubes e atletas. Seria interessante tentar replicar, especialmente nas camadas jovens onde se sente maior dificuldade no apoio médico. Globalmente, este contacto com profissionais de excelência com experiências tão distintas tem sido uma oportunidade de aprendizagem muito enriquecedora que seguramente me ajudará a tornar um melhor profissional.