ENTREVISTA

Dr. Carlos Magalhães

RMD Janeiro 2024

Dr. Carlos Magalhães

Cirurgia Geral e Medicina Desportiva.

Porto

É especialista em Cirurgia Geral e Medicina Desportiva. Como articula, como “encaixam” estas duas especialidades?

Desde jovem que sempre gostei de Desporto. Passava os fins de tarde a jogar à bola na rua com os amigos. Eram jogos muito disputados, como se de verdadeiras finais se tratassem. Estudei na Escola Secundária de Penafiel e escolhi a opção de Desporto. Como tinha boas notas acabei por ter de optar entre o Desporto e a Medicina. Acabei por concorrer a Medicina e até hoje não me arrependi.

A minha licenciatura em Medicina foi feita no ICBAS – Universidade do Porto. Nesses tempos de Faculdade mantive sempre ligação ao Desporto. Após a realização do exame para a especialidade optei pela Cirurgia Geral. Quando terminei a especialidade, tinha já realizado a Pós-Graduação de Medicina Desportiva pela FMUP e acabei depois por concluir a especialidade de Medicina Desportiva.

Fiquei assim ligado a duas áreas com as quais me identificava e hoje consigo conciliar a minha vida profissional no Hospital de Santo António e no Futebol Clube do Porto.

Estar sentado no banco de suplentes num jogo com 50 mil pessoas é bastante diferente que a calma do bloco operatório, não é?

Sim, são situações completamente diferentes mas que até poderão ter características comuns. O ambiente de uma sala de bloco operatório é um ambiente muito próprio que se pretende tranquilo, onde existe uma equipa, onde todos têm uma posição e uma função com o objetivo de a intervenção decorrer da melhor forma possível. A ansiedade que antecede os momentos antes de uma partida de futebol existe também muitas vezes antes da intervenção cirúrgica, principalmente quando temos que intervir sobre situações mais complexas.

Estar sentado num banco de suplentes representa uma situação diferente, mas também desafiante. No jogo de futebol muita coisa da área médica pode acontecer, devendo a equipa médica estar preparada para lidar e resolver a grande maioria das ocorrências, o que implica intervenções e decisões rápidas, realizados muitas vezes em condições de elevada pressão e visibilidade mediática, as quais podem ter implicações importantes no desempenho do atleta.

Dedica-se muito à cirurgia de ambulatório. Há patologias no jogador de futebol que podem beneficiar deste procedimento?

A Cirurgia de Ambulatório tem tido um crescimento exponencial a nível mundial. Representa uma nova forma de abordagem dos pacientes que necessitam de uma intervenção cirúrgica, em que estes são operados e voltam para casa no mesmo dia
da cirurgia, apresentando imensas vantagens. A utilização de técnicas mini-invasivas, nomeadamente a cirurgia realizada assistida por vídeo (artroscopia, laparoscopia, endoscopia e por robot), permite uma melhor e mais rápida recuperação de todos os pacientes. Podemos afirmar que a grande maioria dos atletas de futebol que sofrem uma lesão e necessitam de uma intervenção cirúrgica, pricipalmente da área de ortopedia, o poderão fazer através do regime de cirurgia de ambulatório.

Qual o equipamento mínimo que deve existir no clube para a realização de “pequena cirurgia”?

As situações de trauma são muito frequentes no desporto e os departamentos médicos devem ter condições para resolver essas situações. Os diferentes elementos devem ter experiência e estarem familiarizados com o material e as diferentes técnicas.

O material mínimo consistirá na existência de material adequado para tratamento de feridas, assim como kits que permitam procedimentos de pequena cirurgia: tesoura, pinças, porta agulhas, lâminas de bisturi, diferentes fios de sutura, seringas e agulhas. Esses kits poderão ser de utilização única e descartáveis. Deverá, ainda, existir um anestésico local de curta duração, nomeadamente a lidocaína. Os steristrips, a cola biológica e, eventualmente, máquinas de aplicação de agrafos podem ser considerados

Recentemente, o F C Porto atribuiulhe o Dragão de Ouro como prémio de carreira no clube. Foi um momento alto da sua vida, não foi?

Sim, a atribuição deste Dragão de Ouro foi, por certo, um dos momentos altos da minha carreira ligada ao desporto. No passado, recebi dois prémios na área do desporto, que também muito me honraram: o Prémio de Mérito e Excelência pelo Centro Desportivo da Universidade do Porto e o Galardão de Prestígio pela Federação Académica do Desporto Universitário. Esta nomeação por parte do F C Porto (FCP), e do seu Presidente, representam o reconhecimento pela minha carreira no Departamento Médico do FCP, que leva já quase 15 anos. Trabalhar no FCP era um sonho muito antigo e foi uma enorme emoção subir ao palco do Coliseu e receber o Dragão de Ouro. Espero continuar a ajudar os nossos atletas a terem um bom desempenho desportivo, tratando e orientando os seus problemas médicos e a ajudar o FCP a ter muitos sucessos desportivos. Essa noite ficará gravada para sempre na minha memória.

Que ambições tem ainda no seu projeto da medicina desportiva?

Gostaria que a Medicina Desportiva fizesse parte dos planos de formação de todos os estudantes de medicina em Portugal. Será necessário que os médicos tenham formação específica e competência científica para saberem orientar todos os utentes para a prática do desporto e do exercício. No ICBAS-UPorto temos uma UC optativa de Medicina Desportiva e do Exercicio, que nos últimos três anos contou já com a presença de mais de 200 alunos. Defendo que o passo seguinte será a criação de
Unidades de Medicina Desportiva a nível dos Hospitais do SNS, para que esta área possa assim ter visibilidade e reconhecimento nacional, aumentando a oferta formativa e sendo assim uma das formas de melhorar a resposta para a orientação e aconselhamento de todos aqueles que praticam actividade desportiva.

BIBLIOGRAFIA
  1. www.indexrmp.pt
  2. Ver Entrevista na edição desta revista 2024, 14(4).