ENTREVISTA
Dr. António Ferreira
RMD Novembro 2023
Dr. António Ferreira
Médico especialista em Medicina Desportiva. Médico da Seleção Nacional de Râguebi. Coimbra
Desde quando e como é que aparece como médico da Federação de Râguebi?
Comecei a jogar nos juvenis da Académica de Coimbra e continuei até chegar à Universidade. Quando terminei o curso, inscrevi-me no Mestrado de Medicina Desportiva e preparei a minha tese sobre o perfil antropométrico do jogador de râguebi, colaborando com os clubes de Coimbra. Dessa colaboração académica seguiu-se uma parceria profissional e, em 2012/13, assumi o Departamento Médico da AAC Rugby. No final do ano seguinte, a FPR convidou-me a frequentar um Curso da World Rugby e a colaborar como Médico do Jogo em partidas e torneios internacionais. Em 2016 concluí a especialidade de Medicina Desportiva e, nesta altura, estou já a fazer a minha tese de doutoramento em râguebi na área da epidemiologia das lesões na variante de Sevens (sete jogadores por equipa), a qual concluí em Janeiro de 2019.
Sendo do conhecimento da FPR o meu currículo e a construção de um percurso profissional nesta área, foi com naturalidade que me convidaram para o cargo em Setembro de 2018 quando o anterior diretor clínico saiu.
Trabalha com jogadores muito grandes, fortes e musculados. Por vezes deve ser difícil fazer o exame físico…
Os atletas da modalidade apresentam perfis muito distintos. Naturalmente, isto cria desafios na abordagem ao exame físico, mas recordo que também eu fui jogador de râguebi e fisicamente não me posso considerar pequeno… Assim, apesar das limitações próprias na interpretação do exame físico resultantes das elevadas massas corporais destes atletas, não posso dizer que sinta reais dificuldades na sua execução.
Tradicionalmente considera-se o jogador de râguebi como um cavalheiro no desporto. Tem essa opinião?
Sem dúvida. Todos os atletas com quem tenho tido a sorte de trabalhar destacam-se por terem, globalmente, um comportamento ético e uma educação acima da média. E têm-no com todos os agentes da modalidade: dirigentes, treinadores, staff médico e outro staff de apoio, mas, principalmente, com os colegas de equipa, com os adversários e com os árbitros.
Participar no Campeonato Mundial é um enorme feito. De que modo foi feita a preparação na perspetiva médica?
Foi, realmente, um enorme feito. A preparação começou logo em Dezembro de 2022, após a qualificação no Dubai. A planificação foi morosa e várias foram as áreas onde tivemos de trabalhar. Desde a definição dos recursos humanos a envolver na preparação e participação ao longo dos quase quatro meses (três médicos, quatro fisioterapeutas, uma nutricionista), até ao material a levar e a adquirir, à planificação das avaliações médicas pré-participação, à definição das estratégias de recuperação, nutrição e suplementação, a elaboração dos planos de emergência e, ainda, à articulação com os serviços médicos do Campeonato do Mundo e da World Rugby foi um longo caminho a percorrer. Acresce a tudo isto, a necessidade da realização sessões de educação para a saúde em duas áreas cruciais (antidopagem e concussão) em parceria com a ADOP e a World Rugby
Gostávamos de saber quais os meios operacionais que a organização disponibiliza às equipas?
Todos os elogios seriam poucos para a organização médica do Campeonato do Mundo. Disponibilizarem em todos os recintos de treino material médico e de emergência, providenciarem equipamento e material de reabilitação em cada hotel, o que
nos permitiu viajar bem mais leves para França. A tudo isto somou-se um apoio médico de excelência nos dias de jogo: dois médicos no jogo, um vídeo-médico, um médico emergencista, um médico anestesista, um cirurgião maxilofacial, um ortopedista e uma equipa completa de mais de 10 enfermeiros, paramédicos e técnicos de radiologia. Tínhamos até raio-X e ecografia à disposição no estádio.
Durante o campeonato, quais as lesões que diagnosticou?
Tivemos um Campeonato do Mundo excelente do ponto de vista da gestão do esforço e das lesões. Em treino tivemos apenas um estiramento do músculo solear que impediu a participação do atleta na primeira partida e, em jogo, uma outra lesão muscular da região gemelar e uma fratura do rádio, a qual foi a única situação a impedir a continuidade na competição até ao final
Certamente algum episódio engraçado ocorreu. Quer partilhar?
Um Campeonato do Mundo e um período de seis semanas de contacto contínuo com os atletas e staff de apoio, obviamente levam a momentos muito curiosos / divertidos. No entanto, aquele que mais tempo ficará na minha memória refere-se
a uma situação vivida no último jogo, na vitória contra as Fiji. Um atleta importante, pela sua posição no campo e experiência, sofreu um corte na região supraciliar logo no início do jogo. Por duas vezes pedimos à equipa médica do jogo para se preparar para o suturar e em ambas as situações o atleta pediu para controlarmos a hemorragia sem que saísse do campo. Chegámos ao intervalo e, aqui, já não havia motivo para o atleta não querer ser suturado pelos serviços do Mundial… mas ele implorou que fosse eu a suturá-lo dentro do balneário para ainda ouvir as instruções do treinador. E assim foi, em um minuto montámos a mesa de sutura improvisada no balneário (viajamos sempre com todo o equipamento) e antes do início da palestra já estava o jogador sentado, suturado e preparado para ouvir o treinador Patrice Lagisquet. Valeu a pena. Ganhámos, ele fez um belíssimo jogo e a sutura ficou perfeita. Quem não ficou muito satisfeita com a situação foi a equipa médica do jogo e o cirurgião que por três vezes se prepararam para realizar a sutura… mas faz parte destas andanças
BIBLIOGRAFIA
- www.indexrmp.pt
- Ver Entrevista na edição desta revista 2023, 14(4).